Geopolítica dos recursos hídricos



Segue abaixo a publicação de um texto bastante interessante sobre a gestão dos recursos hídricos. O texto aborda a situação em diferentes regiões do mundo o que nos leva a refletir sobre a  maneira como os países tratam o tema água bem como seus reflexos nas questões ambientais e geopolíticas.


A água é um tema empolgante e que têm avançado ao longo do tempo, tanto no âmbito interno dos países como em relação às águas compartilhadas entre países. A discussão pública é que a água será no futuro um bem em escassez e tema central de conflitos armados. Este cenário é alarmante, principalmente para algumas regiões do planeta onde a água já é escassa ou de qualidade comprometida. Como o Brasil é detentor de uma parcela considerável da água doce do planeta (12%), incide sobre a cabeça de alguns segmentos, de que estaremos na mira destes conflitos. Este cenário não deixa de ser uma expectativa, contudo há esperança de que não será necessário chegar a este nível para que os governo e sociedade consigam superar este dilema. As águas não possuem fronteiras, passando por comunidades, e assim deveriam ser geridas e não somente como acidentes geográficos por delimitar ou cotar fronteiras. A água deve ser sinônimo de paz e harmonia e não motivo para conflitos.


Certamente, a água como recurso é um bem natural perpassa os interesses de vários grupos econômicos e, estes sim podem provocar concorrências e apropriações indevidas e motivar entre si. A água é a mesma em quantidade, mas, perde qualidade e fica indisponível. Além de que, pelas perspectivas provocadas pelas mudanças climáticas, a água poderá ficar escassa em algumas regiões devido às secas e provocar acentuadas inundações. Aproximadamente 85 % da população vivem em áreas com alguma escassez de água. A ausência do acesso à água limpa atinge 783 milhões de pessoas e quase 2,5 bilhão não tem acesso às condições adequadas de saneamento.


As águas compartilhadas, denominadas mais usualmente como águas transfronteiriças, são de interesse estratégico, uma vez que as populações e a produção necessitam de água para manter a própria vida, produzir alimentos e bens de consumo.


A cooperação pela água é gerada em boa parte em função de conflitos por disputa ou por interesses econômicos das nações, que podemos ser conceituado como hidropolítica ou ainda a política estratégica entre nações soberanas para o uso compartilhado da água. No Brasil o tema das águas transfronteiriças ainda é tratado de forma distante, como coisa de visionário, devido ao fato de não apresentar conflitos com países vizinhos. Porém, não é bem assim, pois basta lembrar na década de 70 a polêmica com a Argentina pela construção da Itaipu Binacional em cooperação com o Paraguai. É certo que falamos de uma época de regimes ditatoriais, em que discutir não era o que interessava e muito menos a participação da sociedade.


As águas transfronteiriças devem ser tratadas como tema central e um bem público pelo Estado, com benefícios compartilhados e como solução e não como problema, de tal forma a garantir uma gestão frutífera. É necessário, portanto, que as políticas de recursos hídricos nos países envolvidos sejam consistentes, isso tornará o cenário promissor para os próximos anos.


Como bem público, a água compreendida como recursos hídricos é também um meio de desenvolvimento, contudo deve ter o efetivo controle e regulação realizada pelo estado. Este é o caso do instrumento que denominamos outorga de direito de uso, que é um direito precário concedido no caso brasileiro de no máximo 35 anos. O conceito de garantir os usos múltiplos da água quando da adoção da outorga, é uma ferramenta eficiente para garantir o uso para os diversos fins, principalmente humano e de promover a sustentabilidade ambiental.


Alguns exemplos:


Em 1906 após intensas controvérsias, os EUA aceitaram firmar a Convenção de 1906 na tentativa de solucionar o conflito pela água com o compromisso de entregar ao México uma quantidade de água do Rio Bravo (74 milhões m3/mês). Outro tema regional foi o Convênio do Rio Colorado de 1922 para gestão da bacia hidrográfica, resultando na assinatura em 1944 do Tratado sobre Distribuição de Internacionais para os Rios Colorado, Tijuana e Bravo.


As bacias do Congo, Niger, Nilo, Reno e Zambezi com mais de nove países. Outro conjunto de pelo menos cinco países envolvidos pelas águas transfronteiriças é o Rio Jordão, Bacia do Prata, Mekong, Lake –Chade, Vístula, Volga Ganges-Brahmaputa e Amazonas.



Vale a pena citar alguns acordos de cooperação de águas transfronteiriças como o caso do Rio Mekong, iniciado em 1957 envolvendo a Tailândia, o Camboja, Vietnam e Laos, que é um rio essencial à vida de 70 milhões de pessoas e iniciou por acordos militares. Posteriormente a cooperação foi substituída em 1995 pelo Acordo sobre a Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Mekong com a criação da Comissão do Rio Mekong – MRC

Cito também a Suazilândia, Moçambique e África do Sul com o Tratado do Rio Incomati de 1992 para uso do Rio com fins hidroeletricidade, com iniciativas para a boa vizinhança e comunitárias que possui também aspectos bem relevantes. Já o caso o Rio Okavango conta com a Comissão Permanente das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Okavango criada em 1994 e que evoluiu através de anos por meio da cooperação e na construção de consenso entre os três países (Angola, Botsuana e Namíbia). Neste particular a bacia do Okavango possui ecossistemas com áreas úmidas semelhantes ao nosso Pantanal, ademais do rio possuir o delta interior dispersando-se no deserto de Kalahari.


O tema água é também motivo de acordos de paz, como é o complexo exemplo no Oriente Médio onde em 1994/1995 os acordos entre Israel e Jordânia e a Autoridade Palestina adotaram a água na estrutura de paz da região. Como parte do Tratado de Paz de 1994 a Jordânia armazena água em um lago de Israel enquanto Israel aluga terras e poços aos jordanianos.


Como é possível observar, a gestão das águas transfronteiriças é complexa, com muitos desafios e com grandes oportunidades para um mundo melhor. A tendência é que cada vez precisaremos de mais água com qualidade e em quantidade suficiente para o abastecimento, para produção e a sobrevivência da humanidade. Isso permite afirmar que esta demanda compreende boa parte das águas transfronteiriças e que os países envolvidos devam adotar diretrizes e práticas consistentes de gestão compartilhada.
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Mauri Cesar Barbosa Pereira

mauri.pereira@terra.com.br

Engenheiro Florestal MsC. Especialista em gestão dos recursos hídricos. Foi Secretario Executivo da REBOB e colaborador da RELOB.
Para ler o texto na íntegra acesso o link abaixo:

http://aguasdobrasil.org/edicao-06/a-gestao-das-aguas-transfronteiricas-e-a-hidropolitica.html
 

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